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Gestão emocional na crise é possível?
Gerenciar pessoas e empresas durante tempos de mudanças tumultuosas é uma das atividades mais difíceis de se enfrentar.
Gerenciar pessoas e empresas durante tempos de mudanças tumultuosas é uma das atividades mais difíceis de se enfrentar. O futuro é uma hipótese e, ainda há muita incerteza e informação desconhecida. Sabemos que lidar de forma serena com o incerto e desconhecido é privilégio de poucos. Neste artigo, vamos falar sobre como fazer a gestão emocional da sua equipe durante a crise.
O novo normal não era tão normal assim
Antes pandemia a gente já sentia os impactos na nossa saúde mental. Segundo os dados da OMS e da ISMA:
- Até 2020, a depressão passará a ser a segunda entre as principais causas de incapacidade para o trabalho no mundo.
- O Brasil é o país com mais pessoas ansiosas em todo o mundo.
- 72% dos brasileiros apresentam sequela resultante do estresse crônico.
- Burnout afeta 33 milhões de brasileiros (16% da população).
- Entre 2013 e 2014, cerca de 30% dos profissionais brasileiros sofrem de burnout. Dos afetados, 96% sentem-se incapacitados para a atividade desenvolvida.
O tema já estava na nossa pauta e nós entramos na crise com alguns soldados já machucados. A gente tem que gerenciar esse débito técnico. Mas, como?
Olhe para dentro de você primeiro
As emoções surgem, na maioria das vezes, por gatilhos externos. Logo, não tem como a gente falar de delas considerando apenas o contexto interno.
É fato. A crise inédita que estamos vivendo afeta as emoções dos colaboradores.
A pandemia nos provou que o mundo VUCA – volátil, incerto, complexo e ambíguo – é real e que existe um mundo VUCA dentro de nós, nossas emoções são voláteis, incertas, complexas e ambíguas.
Liderança na crise é gestão de diversos mundos VUCAs.
O objetivo do momento é manter a lucidez. Assim, as lideranças precisam levar em consideração duas condições:
- Estruturais: norte e permanência da empresa, clareza sobre o que se espera dos colaboradores e recursos para a entrega;
- Emocionais: informação, conscientização, ferramenta e acompanhamento.
Condições estruturais
Gestão de mudança e gestão de transição
A mudança é externa. Toda mudança externa gera mudanças internas, chamamos de transições.
A transição envolve importantes processos psicológicos – por exemplo, como os funcionários veem e se adaptam ao trabalho em homeoffice. Uma mudança pode acontecer da noite para o dia, enquanto uma transição pode demorar.
O livro Managing Transitions é base do trabalho para a gestão da crise, que engloba a gestão da mudança (externo) e a gestão de transição (interna). Existem três etapas para esse processo:
- Letting go – deixando ir
- Losing – perdendo
- Ending – finalizando
A primeira fase, Letting go, diz respeito a deixar ir tudo que passou. O que vivemos no começo de março jamais será vivido novamente, já entramos na fase de adaptação. Assim, Losing abrange a zona cinzenta que vivemos agora, em que não temos clareza do que vai acontecer mas sabemos que o formato que estávamos vivendo não faz mais sentido. E, por fim, Ending diz respeito a deixar pra trás esse momento de transição e entrar no “novo normal”, um novo começo.
Letting go – deixando ir
É preciso abandonar os velhos hábitos. Essa primeira fase é um fim e um momento de perdas e você precisa ajudar o seu time a lidar com isso. Por isso, alguns processos são importantes:
- Entenda a mudança: descreva em detalhes o que está sendo alterado, seja específico.
- Defina um mapa das consequências: mudanças mais profundas geram outras mudanças, tente antecipá-las para se preparar melhor.
- Identifique perdas: avalie como os diferentes perfis, departamentos, níveis hierárquicos serão impactados.
- Esteja aberto e seja empático: mostre disponibilidade para conversar e evite julgar as diferentes reações.
- Mantenha um bom flow de comunicação: não minta, não esconda, não perca oportunidades de atualizar as pessoas sobre o que está acontecendo.
- Essa é uma fase com emoções mais relacionados a desconforto. As mais fortes e comuns são negação, raiva, tristeza, medo, confusão e ansiedade.
Como eu faço isso na prática?
- Crie um comitê de crise: encontros frequentes, organização por pilares (caixa, pessoas, clientes), com uma dupla de líderes por pilar. O resultado deve ser um plano de ação flexível e acompanhado com disciplina.
- Tome providências estruturais: sistemas, tecnologias e acompanhamentos.
- Mapeamento dos impactos nas estratégias de gestão de pessoas: flexibilização dos resultados e OKRs individuais; ajustes dos rituais de cultura e rotinas de liderança ao novo cenário.
- Defina responsáveis: a liderança é a linha de frente robusta e preparada; o apoio a saúde emocional deve ser o mais escalável e customizada possível; e a comunicação deve ser feita pelo CEO.
Losing – perdendo
Essa é a fase mais longa e não temos clareza para onde estamos indo, qual é o fim da ponte. O antigo se foi e o novo não chegou. Porém, sabemos que precisamos mudar. Dessa forma:
- Estabeleça demandas ajustadas ao momento: redefina objetivos do negócio e as metas individuais.
- Mude regras “antigas”: ajuste rapidamente políticas e processos – que se tornaram obsoletos do dia para a noite.
- Comunique: atualize constantemente o andamento das mudanças e as razões que as definiram.
É a fase do ápice da ansiedade. A boa notícia é que se é o ápice, tende a melhorar.
Como eu faço isso na prática?
- Faça o mapeamento do engajamento do seu time.
- Atualize do norte e reestruture os novos contornos.
- Continue com a comunicação frequente.
Ending
É a fase em que saímos da transição e fazemos um novo começo. Nessa fase, as pessoas desenvolvem a nova identidade, experimentam a nova energia e descobrem o novo senso de propósito que faz com que a mudança comece a funcionar.
Assim, é preciso ter em mente os 4Ps:
- Purpose – propósito: compartilhe quais são as intenções, finalidades e premissas deste novo começo.
- Picture – figura: explique detalhes sobre o novo começo, quais são os outputs que teremos, como se espera que as pessoas estejam se sentindo. Tente descrever a cena da nova rotina e seja realista e consistente.
- Plan – plano: estabeleça um cronograma com as macro iniciativas. Dedique tempo para definir quick wins, atingi-los traz confiança e credibilidade para o processo.
- Part – parte: será necessário ajustar os rituais de gestão de acordo com o cenário novo. É essencial que a comunicação continue fluida, que as pessoas continuem sendo atualizadas sobre o avanço do plano. O desafio adicional aqui é facilitar o processo de entendimento de como cada um contribuirá para sustentação do novo começo através de acordos/metas de entrega e comportamento.
Não é possível saber qual será o novo normal, mas será uma nova empresa. E isso demandará uma nova liderança.
Condições emocionais
Temos uma série de respostas emocionais à crise e o líder precisa mapear como isso fica evidente nele como pessoa, nos outros líderes e nos colaboradores. Através desse mapeamento é feita uma análise da evolução dos sentimentos em todas as fases, principalmente nas duas primeiras.
Sentimentos mais comuns
Emocional
- Irritabilidade
- Choque emocional
- Dormência emocional
- Raiva
- Tristeza
- Depressão
- Ansiedade exacerbada
- Sentimentos de pânico
- Medo
- Sentimento de estar sobrecarregado
Físico
- Dores de cabeça
- Cansaço
- Suor excessivo
- Calafrios
- Tonturas
- Sede excessiva
- Aumento de apetite
- Aumento da frequência cardíaca
- Pressão arterial elevada
- Respiração rápida
- Dor no peito
- Dificuldade de respirar
Comportamento
- Mudança nos padrões de comportamento
- Mudança drástica na alimentação
- Redução cuidados com higiene
- Aumento ou redução drástica da interação com colegas
- Perda de interesse no trabalho
- Silêncios/ausências prolongadas
Cognitivo
- Pensamento confuso
- Dificuldade na tomada de decisão
- Perda de atenção
- Perda de concentração
- Problemas com pensamentos mais abstratos
- Dificuldade para fazer cálculo de cabeça
- Memória disfuncional
Ansiedade recorrente
Em uma pesquisa que a Lidehra fez com 136 líderes para entender melhor como estavam sendo afetadas pelas mudanças, o sentimento mais recorrente foi ansiedade.
A ansiedade é uma resposta adaptativa a adversidades ou desafios agudos e acontece de forma moderada na maioria de nós. O gráfico abaixo mostra que este sentimento é agravado quando o desafio percebido é maior do que a habilidade que acredito ter para vencê-lo.
Adaptado da teoria do Flow, de Mihaly Csikszentmihalyi
Em um momento de crise sem precedente, chega a ser lógica a percepção de que não estamos preparados para vencê-la. A grande sacada disso tudo é que estamos falando de percepção de preparo e percepção de desafio. Isso vai depender muito da nossa habilidade de olhar diferentes perspectivas sobre ambos, ou seja, posso estar ansioso por algo que nem é tão relevante assim na realidade.
Leia o artigo completo: Liderando na crise: panorama, insights e recomendações
Nesse momento, os líderes e os colaboradores precisam desenvolver skills para enfrentar esse período. Assim, as pessoas aprenderão coisas novas na crise e sairão mais fortes.
Agilidade emocional é interagir com as emoções com curiosidade, aceitação e coragem para tomar decisões com base no que eu valorizo.
Susan David
Emoções apenas são
Nossas emoções apenas são. Não existe certa, errada, grande ou pequena. Elas são informações e informam o que valorizamos.
Cada um de nós, quando vai para o trabalho, tende a esconder as emoções. Isso gera um gasto de energia desnecessário, que poderia ser utilizado em outras questões. Assim, as lideranças precisam criar espaços seguros para que as pessoas sejam vulneráveis.
Por onde eu começo?
- Gestão de pessoas por sprint, considerando o que faz sentido a cada semana.
- Preparação dos líderes com conceitos-base: vulnerabilidade, inteligência emocional, conversas difíceis e sensíveis, otimismo, comunicação não violenta.
- Desenvolvimento da escuta ativa e de perguntas curiosas e não retóricas.
- Construção e manutenção de um ambiente com segurança psicológica.
- Aumento da frequência das comunicações, dos 1:1s, da exigência de feedbacks de qualidade.
- Disposição para adaptação ao contexto do colaborador.
- Reforço da cadeia de ajuda – grupos de afinidades, rodas de conversas e mentorias.
Livros indicados